UM CONTO INÉDITO


A DELEGADA
A minha vida académica decorreu sem incidentes até ao 9º ano. Eu frequentava a área de saúde, embora não me identificasse nada com as matérias e morresse de medo de agulhas. Porém, a alternativa era economia e essa área dava-me calafrios, pesadelos e enjoos. A escola era simpática e os meus colegas de turma admiravam-me o suficiente para me escolherem para delegada de turma pelo terceiro ano consecutivo. Mas nem esse cargo me fizera conhecer o presidente do conselho diretivo. Diziam na escola que ele era implacável e ouviam-se relatos de orelhas picadas com agulhas fininhas e de faces com dedos marcados. A fama do senhor presidente era a razão do baixo índice de indisciplina na minha escola. Diziam que ele era extremamente alto, alguns juravam que tinha de se baixar para passar nas portas, e eu imaginava-o imenso e terrível. Era estranho que nunca o víssemos, para nós, o senhor presidente vivia no seu gabinete.

Numa quinta-feira à tarde, depois da aula de Trabalhos Manuais e antes da aula de Educação Física, eu e a Rita estávamos à conversa perto dos balneários, quando uma miúda mais nova - penso que andava no 7º ano - passa a correr e diz-me:
- Segura aqui!
Sem ter tempo para raciocinar, peguei no cigarro aceso que ela me passara enquanto a vi desaparecer para lá do Bloco B. A funcionária do balneário, ao ouvir o barulho, veio cá fora e incandesceu quando me viu de cigarro na mão e gritou de imediato:
- Já comigo para o gabinete do senhor presidente!
Não sei se pelo pavor de ter de enfrentar finalmente o senhor presidente, se pelo fumo do cigarro que eu continuava aparentemente impávida a segurar, as minhas pernas fraquejaram, a minha visão tornou-se turva, a voz da contínua estava cada vez mais distante e eu caí desmaiada no chão. 
E eu que detestava hospitais e médicos já só acordei dentro da ambulância, ao som ensurdecedor da sirene. Levantei os olhos, vi a Rita ao meu lado, uma agulha espetada no braço e voltei a desmaiar. E assim foi.

                                    FILOMENA MORAIS

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1 comentários

  1. Gostei muito deste texto professora, tais como as histórias que a professora contava no apoio. Não se esqueça das suas alunas do ano passado ;) beijinhos e adorei muito.

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